"Muitos temores nascem do cansaço e da solidão" (Renato Russo, Há tempos, inspirado na Desiderata)
"Ele mesmo, porém, se foi ao deserto, caminho de um dia, e veio, e se assentou debaixo de um zimbro; e pediu para si a morte e disse: Basta... Eis que um anjo o tocou e disse: Levanta-te e come. Comeu, bebeu e voltou a dormir... e segunda vez veio o anjo: Levanta-te e come porque o caminho será sobremodo longo; ... e caminhou até o monte Horebe... Ali, entrou numa caverna. Veio a palavra do Senhor: que fazes aqui, Elias? Eis que passava o Senhor; e um grande e forte vento... porém o Senhor não estava no vento... um terremoto, mas o Senhor não estava no terremoto... um fogo, mas o Senhor não estava no fogo; e, depois do fogo, um cicio tranquilo e suave... Ouvindo-o Elias, saindo, pôs-se à entrada da caverna... Disse-lhe o Senhor: Vai, volta ao teu caminho..." (1Rs. 19)
Precisamos da pausa.
Ela pode ser consciente, por prevenção (e é bom que o seja), mas também fruto do limite que já estourou, do desespero, como foi o caso do profeta. De uma ou outra forma, certo que será terapêutica.
Minha mãe ficava sempre repetindo uma frase: - "Filha, sempre que der, deite-se e olhe para o teto". Um amigo deu boas risadas recentemente quando contei isso.
Quando disse que um conselho de minha mãe reverberava aqui dentro sempre que eu me sentia meio sufocada pelas pressões de todo lado, acadêmicas, profissionais, financeiras, emocionais, relacionais, espirituais, acho que ele esperou algo como "seja forte e corajosa"... mas não, minha mãe dizia para eu aprender a olhar para o teto!
Apesar de eu realmente ter presenciado, por vezes, ela levar a própria máxima ao pé da letra (deitada na cama e olhando pro teto, rs), hoje entendo e guardo comigo o significado deste conselho. Para mim, à época de adolescente, início de juventude, sendo 220V por natureza, parecia uma piada... dependendo dos ânimos, até provocação. Como assim olhar para o teto, mãe? Que idéia mais bizarra. Além de perda de tempo, é impossível parar de PENSAR (entenda-se TORTURAR).
O tempo passou e comecei a perceber que o recado era simples: pare! E não faça nada! E como isso me fez bem.
Claro, sempre que possível, prefiro estar na rede de casa olhando a paisagem de um vale com muito verde e casinhas coloridas que formam um belo quadro à luz do sol... prefiro mais ainda caminhar na praia, à beira do mar, molhando os pés, envolvida por aquela brisa deliciosa, constante, e o barulho das ondas encerrando-se e renovando-se infinitamente... ou perto de uma cachoeira, enfim... a única forma que ainda não experimentei foi a recém sugerida por um amigo "engraçadinho" de olhar, em plena Linha Amarela, para o céu enquanto dirigia... De resto, levo tão a sério o conselho de mami, que hoje, se não tiver o contexto perfeito, serve a cama mesmo com o teto branco, rs.
Brincadeiras à parte, hoje é feriado... assim está nascendo este texto. Curioso... sempre que avistamos uma oportunidade como a de hoje vemos a palavra LAZER piscar em neon. E, por vezes, nos enchemos de mais "compromissos" que nos distraiam das responsabilidades e dificuldades do cotidiano... Mas a proposta da minha mãe (de quem conhece bem a cria) era... pare tudo, não faça absolutamente nada. Fique só com o silêncio... sinta a própria respiração... se preciso, fique olhando para o branco do teto... e se concentre para fazer calar a multidão de vozes e pensamentos que estão naquela confusão e exaustão do dia-a-dia.
Lembrei agora da cegueira do Saramago... ela não era escura como a natural, era branca, branco leitoso, mas feito névoa, finíssimo (seria o meu teto? rs). Fora uma cegueira passageira, mas reveladora. Havia uma personagem infiltrada no meio do grupo de cegos confinados, a única que, sem qualquer explicação, ficou imune. Por curiosidade, ela era a mulher do médico... qualquer semelhança é mera coincidência. Com o passar do tempo, conforme os "doentes" se adaptavam à sua nova condição e aguçavam os demais sentidos, pairava a indagação: quem tinha melhor percepção da realidade... ela ou eles?
Divagações à parte, há algumas semanas, senti uma vontade enorme de encontrar uma caverna. Se pudesse, meu único desejo naquele momento era sumir. Às vezes, isso acontece e, nessas horas, sei que os limites estão acendendo a luz vermelha... preciso de pausa.
Interessante o relato da fuga de Elias ao deserto. Com a cabeça a prêmio depois de nada ter feito, senão cumprido a sua missão, a fadiga física e emocional era tão intensa, que ele pediu para si a morte. Demônios nossos que nascem do cansaço e da solidão!!! Procuramos "o deserto" como saída mais fácil à opressão da qual não conseguimos dar conta.
Essa passagem bíblica, além de belíssima, também revela um segredo muito importante: o da nossa percepção de Deus diante da vida. O texto parece contraditório à primeira vista, pois diz que o Senhor passava... Ou seja, ele estava ali, presente. Aliás, nunca se ausentara. Ao mesmo tempo, diz que o Senhor passava e havia um grande e forte vento que fendia os montes, mas ele não estava no vento; um terremoto, e não estava no terremoto; depois um fogo e não estava no fogo. Afinal: Ele passava ou não passava? Estava ou não estava? Mas então... "veio o cicio tranquilo e suave". Pela lógica da construção textual, ficamos esperando o seguinte complemento... "e eis que o Senhor estava no cicio". No entanto, a conclusão não nos chega dessa forma... ela começa por "ouvindo-o Elias".
Eis o ponto... a percepção humana. Deus está sempre conosco, cuidando, alimentando e sustentando para a caminhada, mas precisamos afastar a agitação dos ventos, do terremoto, do fogo, para ouvir a sua voz, que é sempre suave por seu amor e graça, seja a palavra de consolo, repreensão ou encorajamento. Só poderemos ouvi-la depois que tivermos feito a pausa necessária parar curar o cansaço e a solidão que despertam temores infundados. Não que os medos não sejam sérios e compreensíveis. Pelo contrário, Jesus experimentou nossa fragilidade, nossas dores, necessidades e conflitos. Sabe o que é sofrer. Ainda assim, se pudéssemos viver sempre na plenitude da confiança no Pai, diríamos convictos como ele, mesmo diante da angústia da doença que acometia o amigo Lázaro: ela não é para a morte, mas para a glória de Deus.
Lembro de uma situação bem recente vivida por uma amiga. O cerco parecia ter se fechado na sua vida, tudo estava desmoronando e parecia não haver saída. Recordo que me senti frágil e inútil sem ter sequer palavras a dizer e muito menos algo a fazer. E me veio à boca apenas isso: não sei como, nem em que momento, mas sei que Deus agirá. Ele já está agindo, embora nossos olhos ainda não alcancem. Já vivi situações clássicas de "salva pelo gongo", mas em todas elas, tenha sido mansa ou esperneado bastante no processo, percebi que estava sendo moldada a descansar, entregar e esperar.
Esta semana recebi, com muita alegria, um email desta amiga em que dizia: "estou muito feliz, num piscar de olhos, o cenário mudou; precisava te contar isso". Ah, como Deus é bom!!!! Meu pastor certa vez brincou: Deus é "irritantemente" bom. E não é mesmo? Por vezes, ele cerra todas as portas só para nos lembrar e dar a certeza de que todas as chaves estão nas suas mãos, e serão usadas para nosso bem. O problema, às vezes, é que APENAS confiar, ufa!, é difícil.... nós queríamos ter o molho, rs. Certamente, para nos atrapalharmos com ele...
"Tudo posso naquele que me fortalece", diz a Palavra. Sem Ele, somos apenas pó, com Ele, podemos ser luz, cruzando o espaço de uma forma que nem toda a ciência foi ainda capaz de reproduzir. Podemos brilhar refletindo a luz eterna de quem governa as estrelas e ao mesmo tempo cuida e vive pessoalmente em cada um de nós.
Essa verdade não muda, mas a nossa percepção dela pode ficar por vezes bastante turva e alterada.
Quando estudava música, esta era uma das principais lições. Todo aluno, afoito como de costume, só quer aprender a execução... mas execução parece sempre ação e não espera. Logo vinha a instrução: sinta o silêncio na música... é ele que encerra momentos, dá respiração, e prepara o que vem a seguir. Por isso, aprecie a pausa. É essencial, sem ela não há música.
O silêncio e a quietude são capazes de restaurar a medida certa de todas as coisas. Ajudam a dissipar os temores que nascem de nossa própria imaginação. Fazem-nos ouvir melhor a voz do alto que mostra o caminho. Esvazie-se, fique com o nada. E então perceba o quanto Deus é misericordioso em fazer-nos transbordar.
Aquele abraço, bom feriado!

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